emmi itaranta &
margarete leta
Cara Leta,
Achei que deveria esperar até ter notícias suas, mas como já é 19 de outubro, darei início à nossa correspondência.
Moro no Reino Unido há 13 anos, mas atualmente estou visitando minha cidade natal, Tampere, na Finlândia. Foi aqui que vivi os primeiros 31 anos da minha vida. A água faz parte da vida aqui: a cidade está localizada entre dois lagos e seu passado industrial gira em torno das corredeiras entre os lagos.
Em anexo, envio três fotos do centro da cidade: elas mostram três pontes que cruzam a água, assim como você e eu pretendemos cruzar a distância no espaço e no tempo com esta correspondência. À medida que o tempo fica
mais frio e o ano se aproxima do inverno, nós aqui no Norte nos voltamos para dentro, para nossas casas, famílias, espaços privados. Esta manhã nevou pela primeira vez neste outono.
Estou ansiosa para ouvir de você.
Saudações,
Emmi
Olá Emmi,
Obrigada por sua carta. Que bom que você se antecipou e enviou-me uma mensagem. Na verdade, eu também estava insegura porque não sabia ao certo como funcionariam as correspondências já que não tenho habilidades suficientes para escrever em inglês. Apenas leio. E você, entende o português? Ou o espanhol?
De qualquer modo, a equipe de "Córregos Vivos" já me orientou a enviar-lhes minha carta para tradução, antes de enviá-la a você.
Vivo em Belo Horizonte, onde nasci. Essa é uma cidade planejada segundo a visão positivista que vigorava em fins do século XIX. Para sua construção, foi arrasado o antigo arraial implantado à margem direita do Ribeirão Arrudas. A cidade projetada desconsiderou os cursos d'água existentes que foram retificados, canalizados e, em sua maioria, tamponados. Observe na imagem que o traçado ortogonal das vias de circulação ignorou o ambiente físico sobre o qual se instalou a nova cidade.
O Ribeirão Arrudas e seus afluentes tornaram-se receptores dos dejetos e lixo produzidos pela nova cidade. Hoje, estão quase invisíveis na paisagem. Correm pelas galerias subterrâneas. Suas águas estão turvas e malcheirosas.
Apenas são percebidos pela população nas temporadas de chuvas. A excessiva impermeabilização do solo aumenta o volume das águas pluviais que escoam superficialmente e chegam velozmente aos fundos dos vales, provocando enchentes e tragédias que se repetem todos os anos.
Abaixo, imagem de inundação no vale do Ribeirão Arrudas:
Gostaria que me contasse como é a relação dos moradores de sua cidade com seus cursos d'água. Nas fotos que você me enviou, se vê uma paisagem muito bonita. Estão limpas essas águas? Como a população usufrui delas? É fonte de abastecimento? São utilizadas para o lazer?
Espero que nossas trocas de informações e percepções acerca das águas urbanas sejam muito proveitosas.
Um grande abraço,
Leta
Cara Leta,
Muito obrigado pela sua carta! Lamento muito não falar português; é uma língua tão linda, melódica e suave de se ouvir. Infelizmente, meu conhecimento de espanhol também é muito limitado.
Preciso me desculpar por não ter respondido antes. Os últimos dois meses foram muito ocupados para mim, e voltei ao Reino Unido de uma longa viagem de trabalho à Finlândia há alguns dias, então a semana passada para mim foi principalmente fazer malas, viajar e desfazer malas. Tive muito pouco tempo de sobra para escrever, por isso também peço desculpas.
Foi muito interessante ler sobre Belo Horizonte e o Rio Arrudas. Meu entendimento é que a maioria dos rios do mundo foram significativamente alterados pela atividade humana e, em muitas áreas, isso também gerou
problemas. Na Finlândia, o exemplo mais óbvio disso é o despejo de resíduos de fazendas e indústrias em lagos, dos quais a poluição é transportada pelos rios para o mar. O Mar Báltico é um dos mais poluídos do mundo e muitos rios da Finlândia estão em más condições ecológicas.
Tampere, onde cresci, em muitos aspectos não é exceção a isso. Pode parecer bonita, mas costumava haver uma indústria pesada de têxteis e papel na cidade, do século 19 para frente. Esta indústria já quase desapareceu, pois grande parte da produção têxtil foi transferida para países com mão de obra barata.
No entanto, os dois lagos que circundam a cidade, Näsijärvi e Pyhäjärvi, tiveram bastante poluição industrial. Hoje em dia são amplamente utilizados para fins de lazer, como passeios de barco, vela e saunas flutuantes, e são seguros para nadar. Mas costumavam ser uma parte importante da indústria sobre a qual a riqueza da cidade foi construída.
Como mencionei, agora voltei para Canterbury, na Inglaterra, onde morei pelos últimos 13 anos. É um lugar muito diferente, tanto cultural quanto historicamente: uma cidade que possui uma catedral que permaneceu um importante local de peregrinação desde a época medieval. Existe um rio chamado Great Stour que atravessa a cidade.
Estou anexando duas fotos dele, tiradas algumas noites atrás.
Eu havia entendido que esta correspondência deveria durar até o final de outubro, que é hoje - mas eu estaria interessada em ouvir de você mais uma vez, se não for um problema.
Te desejo tudo de bom!
Emmi